Ayrton Senna foi considerado por imensos adeptos de F1 como o melhor piloto de todos os tempos da principal categoria de monolugares de fórmula do mundo, e acima de tudo era idolatrado por milhões de pessoas de diversos países. Originário do Brasil, pilotou durante seis temporadas para a McLaren F1, pela qual conquistou três campeonatos do mundo de pilotos e ainda quatro campeonatos de construtores para a equipa chefiada por Ron Dennis. Senhor de uma pilotagem tão suprema quanto espetacular, e empático para o público em geral, deixou imensas saudades quando morreu prematuramente e de modo trágico no GP de San Marino de 1994. Ainda hoje, e talvez cada vez mais forte, a lenda vive, deixando absolutamente fascinados inclusive tantos jovens que nem eram sequer nascidos naquele ano fatídico. O malogrado piloto brasileiro deixou dois legados: a constante melhoria do nível de segurança dos monolugares de F1 e, não menos importante, a fundação do Instituto Ayrton Senna, fundado pela irmã Viviane com a herança deixada pelo irmão, refletindo a sua vontade em ajudar os mais desfavorecidos, sobretudo as crianças.
Até ao presente, foram realizados imensos tributos à sua memória, inclusive um filme icónico-documental da carreira e vida de Senna, realizado por Asif Kapadia. Contudo, ainda faltava a cereja no topo do bolo. Na forma de um carro, tão especial como o homem do capacete amarelo com as famosas listas verde e preta, e que refletisse toda a sua filosofia de condução. E só uma firma teve a capacidade de o fazer: a McLaren Automotive. O seu nome: McLaren Senna.
“Você se compromete com um nível tão alto que não há compromisso. Você dá tudo o que tem; tudo, absolutamente tudo.” – disse um dia Ayrton Senna.
A McLaren Automotive foi uma das últimas ideias geniais do agora ex-patrão Ron Dennis, tendo sido fundada em 2010 como mais uma empresa do grupo McLaren. Foi, aliás, o motivo do divórcio entre a Mercedes-Benz e a McLaren F1, pois os alemães não aceitaram que a McLaren passasse a produzir os seus próprios motores para os futuros carros de estrada, o que foi uma afronta à parceria tecnológica na F1 e à memória da construção do superdesportivo Mercedes SLR McLaren. Desde o modelo 12C que a divisão de automóveis superdesportivos tem vindo a crescer em notoriedade, credibilidade e popularidade, e até criou a estrutura desportiva McLaren GT, para a qual já correu o piloto português Álvaro Parente.
Agora, e já depois de ter criado o fabuloso superdesportivo híbrido McLaren P1, resolve pegar nas memórias de um filho muito amado da casa-mãe, a que se juntaram peças melodiosas do virtuosismo do malogrado piloto brasileiro e a mais recente tecnologia de ponta inspirada no seu know how na F1. Resultado final: o superdesportivo mais radical da marca até ao momento, feito para andar na estrada.
Honrando sempre a memória de Ayrton Senna, o novo superdesportivo icónico, revelado a 10 de dezembro de 2017 e apresentado no Salão de Genebra de 2018, é o segundo modelo da gama Ultimate Series, concebido com o propósito de promover a ligação entre carro e condutor, no sentido de fornecer a melhor experiência de um modelo McLaren de estrada em circuito, em contexto de track days. A sua estrutura é super leve, com o chassis Monocage III (proveniente do McLaren 720S, com melhoramentos) e os painéis de carroçaria em fibra de carbono, o que faz dele um autêntico peso-pluma, com apenas 1198 kg sem adição de fluídos, o valor mais mais baixo desde o McLaren F1. O Senna está equipado com um motor 4.0 V8 biturbo que debita 800 cv com um binário máximo de 800 Nm. O rácio de potência por tonelada cifra-se nos 668 cv. Toda a aerodinâmica em conjunto, para a qual muito contribui a enormíssima asa traseira, produz 800 kg de força descendente. Em suma, um senhor “800” todo-poderoso!
O motor, unicamente alimentado a gasolina, é também o mais potente de sempre num McLaren de estrada, incorporando tecnologias oriundas da competição. Os componentes internos leves reduzem a massa no motor e combinam com inércia ultra-baixa, turbocompressores twin-scroll e resíduos descartáveis controlados eletronicamente para oferecer uma capacidade de resposta rápida do acelerador.
“O McLaren Senna é um carro como nenhum outro: a personificação do DNA de automobilismo da McLaren, legalizado para uso em estrada, mas projetado e desenvolvido desde o início para se destacar em circuitos. Cada elemento deste novo membro da Ultimate Series da McLaren tem um foco no desempenho sem compromisso, aprimorado para garantir a mais pura conexão possível entre o condutor e a máquina e oferecer a melhor experiência em pista da maneira como apenas a McLaren sabe” – Mike Flewitt, CEO da McLaren Automotive.
Desde o início da concepção do novo McLaren Senna, os engenheiros tiveram em mente a sinfonia mecânica do motor em toda a sua plenitude, ou seja, desde as entradas de ar no motor até à saída de escape. Qualquer potencial condutor do Senna irá sentir a vivacidade do cockpit, com o som do ar a passar pela entrada de “snorkel” montada no telhado a misturar-se com o plenum em fibra de carbono, a produzir com precisão sons de alta frequência adaptativos que proporcionam uma experiência de vida. Ao mesmo tempo, os sons de baixa frequência do motor são transferidos para o cockpit graças a uma montagem de motor única, excitando a estrutura traseira de parede dupla do chassis monocoque de fibra de carbono e ampliando todas as mudanças nas rotações do motor, quase como se o motor estivesse literalmente ao lado do condutor.
A potência é transmitida para as rodas traseiras através de uma transmissão de dupla embraiagem com sete velocidades, do tipo seamless-shift; este sistema começa sempre de modo automático mas pode ser de imediato comandado manualmente através de patilhas de fibra de carbono, montadas na coluna de direção (logo atrás do volante), as quais são de dimensões generosas de modo a facilitar o seu uso com ou sem luvas de competição. Tal como Ayrton Senna adorava ter o controlo absoluto sobre os monolugares que conduziu, tal sensação de poder absoluto pode ser experimentada por qualquer um dos futuros proprietários.
O temperamento do motor do Senna e consequente força da transmissão podem ser ajustados com recurso ao Active Dynamics Panel, que oferece as opções Comfort, Sport ou Track. Contudo, independentemente do modo que se usar de acordo com o momento oportuno, mesmo no modo mais confortável o animal mantém o seu caráter selvagem. Existe ainda o modo Race, que pode ser ativado através de um interruptor montado numa consola localizada na zona do tejadilho logo após o para-brisas. Na mesma secção encontram-se outros botões, entre os quais o familiar botão vermelho de ligar o motor.
Um dos pilares da dinâmica do Senna é a suspensão hidráulica RaceActive Chassis Control II (RCC II), que funciona em harmonia com a aerodinâmica ativa dianteira e traseira e o ultra rígido chassis Monocage III, criando uma experiência única em ambiente de circuito, mesmo em situações em que a suspensão não está totalmente carregada e os pneus não estejam totalmente comprimidos, tal é a sensibilidade que cada elemento do carro transmite ao condutor, como se este estivesse sempre com alta voltagem nas mãos e nos pés. O RCC II é um sistema de suspensão de triângulo duplo que, adicionalmente, possui amortecedores hidraulicamente interligados e uma substituição hidráulica para as barras anti-rolamento mecânicas convencionais. Além disso, incorpora a tecnologia de rigidez variável e de ajuste da altura da base da carroçaria ao chão vista pela primeira vez no McLaren P1. Os amortecedores adaptativos são interligados hidraulicamente, tanto da esquerda para a direita como da frente para trás, com duas válvulas por amortecedor para ajusta-los de forma independente em situações de compressão e ricochete. A rigidez do McLaren Senna é controlada separadamente usando um sistema de rolo cinético. O sistema RCC II é uma variante do McLaren 720S e também adiciona um modo Race, que reduz a altura ao solo, conduzindo a um menor centro de gravidade e a uma maior rigidez da suspensão.
O sistema de travagem do McLaren Senna é o mais avançado alguma vez instalado numa versão de estrada da McLaren, sendo composto de discos de cerâmica para um desempenho ao nível da competição automóvel. A escolha dos pneus recaiu no modelo Pirelli P Zero Trofeo R, com uma versão personalizada e desenvolvida em conjunto com o parceiro técnico da McLaren, a própria Pirelli. As rodas são unicamente em liga ultra leve com um sistema de bloqueio central, também ele inspirado na competição.
Por outro lado, o nível de aerodinâmica atingido equipara-se, talvez, com um sport-protótipo de competição (já nem falo sequer do Senna GTR, apresentado no Salão de Genebra de 2018, destinado exclusivamente a circuitos), colando o carro literalmente à estrada. O mesmo se pode dizer, por exemplo, da construção do cockpit, todo ele em fibra de carbono, inclusive na composição do volante, cuja design é, contudo, similar aos restantes modelos de estrada da McLaren. De facto, estamos perante um novo nível de apuro aerodinâmico, com um sistema inovador que se revela sobretudo na secção traseira, com aquela enorme asa dupla a mostrar-se fundamental na sustentação do carro. Todo o design se revela integralmente ativo, desde o difusor dianteiro até ao difusor duplo traseiro, seja em travagens, balançando o acelerador ou ainda aplicando a potência à saída na curva. Complementando o que se pode dizer de “beleza ativa”, as lâminas aerodinâmicas dianteiras podem ter uma de cinco cores específicas “By McLaren”, incluindo as cores Azura Blue e McLaren Orange. Esta gama de cores pode expressar-se também nas pinças dos travões, nas portas de suporte ao depósitos de gasolina e ainda nas guarnições dos assentos.
Para otimizar a fiabilidade, a refrigeração do Senna foi especialmente aprimorada. A concha traseira, por exemplo, surgiu da dupla exigência de eficácia de refrigeração e de complemento aerodinâmico, contendo abas do tipo “Gurney” que antecedem uma espécie de clarabóia que direciona o ar para longe do convés traseiro e dos lados da carroçaria. A área resultante de baixa pressão extrai o ar quente dos radiadores de alta temperatura e do compartimento do motor, garantindo que o fluxo de ar não interfira na eficiência da asa traseira. Por fim, o corte (em forma de slash cut) e o ângulo da tripla saída de escape (constituída em Inconel e titânio) localizada na borda da secção traseira (como acontece com qualquer McLaren de estrada) permitem que o produto da explosão do combustível seja direcionado para longe da asa traseira. As luzes traseiras e delgadas LED foram sujeitas ao mesmo detalhe que os faróis e todos os outros componentes aerodinâmicos, numa única secção laminosa que minimiza as intererências no fluxo do ar.
O difusor duplo traseiro tem um desenho distinto dos demais, sendo construído numa única peça em fibra de carbono, a qual começa sob o eixo traseiro e, à medida que aumenta de altura, acelera o ar para fora do veículo. Isso cria uma zona de baixa pressão que aperta o carro ainda mais contra o chão. Igualmente distinta é a enorme asa traseira de fibra de carbono de dois elementos que, no seu ponto mais alto, fica a 1,219 mm da estrada quando o carro está parado. A mesma é ativada hidraulicamente e com uma superfície plana de mais de 6500 cm2, ajustando-se constantemente para otimizar os níveis de equilíbrio aerodinâmico e força aerodinâmica e funciona como um travão suplementar nos momentos de travagem forte.
A ligação do condutor e do passageiro à maquina começa logo antes de entrar no cockpit. As portas contém um sistema dihedral que permite que se abram no duplo sentido cima-frente, movendo consigo porções do tejadilho transparentes, o que permite aos ocupantes entrar no veículo sem problemas, mesmo que estejam equipados com fatos e capacetes de competição. As portas, que são construídas em fibra de carbono, apresentam janelas laterais de vidro de duas peças com uma parte superior fixa e uma secção de abertura menor abaixo. Tanto a parte superior da porta (efetivamente uma parte do tejadilho) quanto a parte inferior do lado da porta podem ser constituídas de vidro como substituto para os painéis de fibra de carbono que são fornecidas como padrão. Isso aumenta a sensação de espaço dentro do cockpit e, no caso da porta vidrada mais baixa, reforça drasticamente a conexão visual entre o condutor e o espaço exterior envolvente. Para realçar o design das portas, os mecanismos de comando das portas e os interruptores das janelas estão alojados ao lado do botão de partida do motor numa consola em fibra de carbono acima da cabeça do condutor (já referida).
O McLaren Senna será produzido no Reino Unido, mais propriamente no centro de produção da McLaren, em Woking, Surrey, tendo o seu início ainda no ano de 2018. Será uma edição limitada a 500 unidades, cada uma a valer 750 mil libras no Reino Unido. Certamente vai desejar um, sobretudo se for, tal como eu, um fã acérrimo do grande ídolo Ayrton Senna. Sobretudo porque toda a personalidade dele está lá… no carro!
Ayrton Senna, obrigado por continuares a fazer-nos sonhar! Onde quer que estejas, que o teu legado perdure sempre no tempo e no espaço…