Ford Mustang BULLITT (2018) – um merecido tributo a uma lenda do cinema

Bullitt. Um icónico thriller de ação no qual o célebre e malogrado actor Steve McQueen, que encarna o personagem Frank Bullitt, e um certo Ford Mustang GT Fastback de 1967 são protagonistas. A certo momento do filme, o detetive, que utilizava uma versão especial do Ford Mustang GT Fastback, pintado com a característica cor “Verde Dark Highland” e sem o distintivo logótipo do “cavalo galopante”, é seguido por uma dupla de assassinos que está a bordo de um rival Dodge Charger. Em plena cidade de San Francisco, o detetive da Polícia de San Francisco, dando-se conta de que os dois criminosos iriam aproximar-se dele, arranca discretamente no seu bólide – este já com pequenas mossas de perseguições anteriores – depois de ter feito uma pausa, ao passo que o Dodge Charger segue atrás dele alguns segundos depois. Depois de ter ludibriado os assassinos já na zona das características ruas declinantes da cidade, consegue colocar-se discretamente atrás deles a fim de, no momento certo, os perseguir. O bando de criminosos, apercebendo-se disto, coloca-se instantes depois em posição de fugir freneticamente de Bullitt, que imediatamente responde, não sem encontrar de imediato obstáculos de trânsito. Num sobe e desce, a cena de perseguição e fuga vai se tornando cada vez mais emocionante, ao passo que os carros vão deixando a cidade de San Francisco em direção a Brisbane, continuando por uma via rápida sinuosa e movimentada. Entre avanços e recuos, o climax chega quando finalmente os dois bólides se encontram e encetam uma espécie de “luta de boxe”, na qual Bullitt consegue ainda desviar-se de alguns tiros de carabina. Até que finalmente consegue dar um subtil toque com o seu Mustang no Charger dos criminosos, que sofre um despiste e choca contra uma bomba de gasolina que explode com o impacto, matando os dois ocupantes. Logo depois, Bullitt despista-se e danifica seriamente o seu carro ao se distrair por ver o fatídico destino dos dois patifes, tendo de prosseguir a sua missão sem o seu estimado carro desportivo.

O célebre episódio do filme, não sendo isento de alguns erros de sincronização de imagens, tornou-se a melhor cena de perseguição de carros de sempre da história do cinema, sobretudo pela competição em estrada entre dois muscle cars da época que simbolizaram, no fundo, a luta pela supremacia entre a Ford e a General Motors no mercado norte-americano, mas também pelo célebre momento de derrapagem das rodas traseiras daquele Mustang especial, equipadas com as sombrias jantes da American Racing Torque Thrust – e o característico “gorgolejar” do poderoso motor 6.4 V8 de aproximadamente 400 cavalos de potência – que terá feito tantos condutores sonharem em comprar um exemplar semelhante. Não é de admirar, pois, que existam alguns exemplares do Ford Mustang com características algo semelhantes às do original do filme, um dos quais pertenceu ao famoso músico britânico Jamiroquai. Mas foram apenas réplicas bem executadas. A versão original podia seriamente rivalizar com o famoso Mustang transformado por Carroll Shelby, nada mais nada menos do que o original Shelby Mustang GT350 de 1965. Com a vantagem de ser um exemplar mais cool e despido de ostentação, tal como o ator que o conduziu e recebeu o cognome “The King of Cool”…

Paralelamente, e logo após as filmagens, o exemplar original do filme, construído em 1968 e que teve um duplo que foi diretamente para a sucata, foi vendido primeiro a um funcionário da Warner Brothers (a produtora e detentora dos direitos do filme), que depois revendeu-o a um detetive chamado Frank Marranca, que por sua vez revendeu-o a Robert Kiernan que, não o revendendo, usou com alguma frequência o carro até 1980, altura em que o carro teve um problema na caixa de velocidades e ficou guardado numa garagem até 2014, ano em que o proprietário, que recusou inúmeras ofertas de compra do exemplar (inclusive do próprio Steve McQueen), morreu. A 2 janeiro de 2020, o bólide – em excelente estado de conservação e com apenas alguns sinais de ferrugem e pequenas mossas – foi vendido pelo seu filho Sean Kiernan em leilão por um valor astronómico de 3,4 milhões de dólares a um comprador anónimo, tornando-se no Mustang mais valioso de sempre do mundo. A importância histórica, cuja existência física foi revelada por Sean apenas em 2018, foi tanta que o leilão do carro foi transmitido na televisão, não sem antes ter feito uma peregrinação pelos States (e não só) desde 2018, ano em que o exemplar completou 50 anos de existência. Foi também em 2018 que a Ford, que está a produzir a sexta geração do icónico pony car, resolveu “tirar um coelho da cartola”, com a ajuda de Molly McQueen, atriz e neta de Steve McQueen, que não chegou a conhecer o avô em vida já que este morreu de cancro em 1980.

No início do ano de 2018, a Ford apresentou no Salão de Detroit o novo Mustang Bullitt, assente na sexta e atual geração do Mustang que é a que melhor interpreta em termos de formas o Mustang original (na minha opinião), mais especificamente na versão GT Fastback que possui o motor Coyote V8 5.0 atmosférico. Em março do mesmo ano era feita a apresentação do modelo na Europa, desta feita com a colaboração de outros dois netos de Steve McQueen, Chase e Madison, que participaram num vídeo dinâmico que encenou uma perseguição envolvendo a coqueluche e um certo Mercedes-AMG em plenos Alpes Suíços.

Ressalve-se, contudo, que não é a primeira vez que a Ford fabrica oficialmente uma versão especial dedicada ao filme Bullitt, pois já o tinha feito na quarta e na quinta geração do ícone americano, respetivamente em 2001 e em 2008. Contudo, este terceiro tributo teve especial significado pelos 50 anos da obra cinematográfica e sobretudo pelo ressurgimento público da velha estrela do filme, que apareceu mais tarde no Festival de Goodwood juntamente com o novo modelo de tributo. Significado reforçado pelo facto de a primeira unidade desta nova reencarnação ter sido vendida em leilão, cujo valor resultante de 300.000 dólares foi direcionado para fins de beneficência. Passemos então aos factos sobre o novo modelo Bullitt…

FACTOS SOBRE O NOVO MUSTANG BULLITT

A nova edição de tributo ao filme Bullitt tem as formas básicas, exclusivamente em formato coupé, e praticamente todo o equipamento do atual Ford Mustang Fastback 5.0 V8 GT. Contudo e a exemplo das anteriores gerações de tributo e ao próprio modelo original, “deixou o cavalo no estábulo”, sendo que a grelha frontal é completamente sombria, rodeada de uma linha cromada, tal como as bordas das janelas laterais. Na zona traseira do veículo e no centro do volante, por vez do badge do Mustang está patente um desenho de uma personificada mira com o inconfundível lettering “BULLITT” no centro da mesma. No interior, a inscrição “BULLITT” aparece também na zona superior do tablier do lado do porta-luvas (placa com número de série do modelo) e na zona debaixo das duas portas de acesso ao habitáculo. Ainda assim, o distinto cavalo – apenas para nos lembrar de que se trata de um Mustang – aparece em fundo preto no centro das negras jantes desportivas de 19 polegadas com cinco raios, as quais evocam o estilo utilizado no Mustang original que foi a estrela do filme. O Bullitt está disponível em duas cores, Preto Shadow e o popular Verde Dark Highland que foi mostrado no filme, e também nos tributos anteriores. Não menos importante: o desenho dos farolins na atual geração é o que indispensavelmente ajuda a realçar o tributo face ao modelo original, dada a semelhança verificada em ambas as gerações. Exteriormente, são também visíveis as pinças pintadas em vermelho, cujo poderoso sistema de travagem é fornecido pela Brembo. As aberturas no capô de motor do Mustang, replicadas nesta versão Bullitt, não podiam deixar de marcar presença, assim como o splitter dianteiro, as saias laterais e o difusor traseiro que prestam a ajuda necessária à aerodinâmica do veículo.

No interior, o design de base é igual ao de qualquer Mustang, com quatro lugares sentados (2+2). Para além das inscrições “BULLITT” já referidas, destaca-se também o punho da caixa manual de seis velocidades (equipada com tecnologia de Rev Matching), de forma esférica e cor branca (do tipo “bola de bilhar”) que contrasta com o negro do esquema de velocidades, que representa uma herança do Mustang “Bullitt” original. O painel de instrumentos, que mantém o esquema de base 100% digital e moldável de acordo com os diferentes modos de condução, tem um padrão de cores exclusivo e distinto das versões normais. Exclusivo é também o sistema de som de alta fidelidade B&O – comandado pelo sistema de infoentretenimento que apresenta um ecrã LCD de 12 polegadas – capaz de debitar 1000 watts de potência distribuídos por 12 colunas espalhadas estrategicamente pelo habitáculo. É predominante o revestimento em couro preto no interior (inclusive em toda a extensão do travão de mão), com aquela placa metálica galvanizada a atravessar o tablier de uma ponta à outra e outros apontamentos de metal nas portas e na consola central. Ao invés dos bancos normais dianteiros em couro, o Bullitt pode vir equipado com bancos desportivos da Recaro, também eles forrados em couro preto. Todos os bancos são costurados com linhas da cor da carroçaria. Não há dúvidas de que o interior faz qualquer condutor sentir-se como um “Steve McQueen”…

Em termos de performances e tecnologia, o carro é equipado com o motor 5.0 V8 atmosférico que é a mais recente evolução do mítico bloco Coyote. Se na versão normal GT a potência cifra-se nos 450 cv às 7000 rpm, na versão especial Bullitt vendida na Europa esse valor eleva-se para os 460 cv na mesma faixa de rotações e com o mesmo torque que é de 529 Nm às 4600 rpm (no mercado americano a potência aumenta para cerca de 480 cv). A grande vantagem face a um GT normal é que a transmissão manual de seis velocidades possui uma tecnologia de sincronização de rotações – o já citado Rev Matching – que recorre à gestão eletrónica do motor para provocar uma “aceleração dupla” que dá o mesmo efeito do tradicional “ponta-tacão” aquando das reduções de caixa, ao mesmo tempo que promove passagens suaves e instantâneas de caixa. Por outro lado, o aumento de potência é provocado por soluções herdadas da versão de performance Shelby Mustang GT350, tais como o Sistema de Indução Open Air, as condutas de admissão e módulo de controlo do motor e o acelerador de 87 mm. O característico “gorgolejar” do motor V8 é reforçado pelo sistema de escape de alto rendimento, com quatro ponteiras e respetivas válvulas de escape ativas. O comportamento em estrada é dinamizado ainda pela suspensão ajustável MagneRide da Ford, de geometria independente nos dois eixos, que utiliza um fluido cuja função é influenciada por estímulos eletrónicos, em tempo real e e até cerca de 1000 vezes por segundo, face às frequentes alterações das condições de estrada, o que, conjugado com o modo de condução ativado no momento, adequa o comportamento do carro sem penalizar o conforto dos ocupantes, o que favorece o uso do carro no dia a dia. Os quatro modos de condução disponíveis – “Normal”, “Desportivo”, “Pista” e “Neve/Chuva” – determinam a resposta do acelerador, os pontos de engate de mudanças (caso se opte pela transmissão automática de 10 velocidades), a dureza de viragem do volante e a calibração do controlo de estabilidade. Claro está que o modo “Pista” é o modo mais duro e o que permite ao Mustang Bullitt extrair o máximo das suas capacidades, assegurando contudo que o condutor se sinta seguro, muito mais seguro do que Steve McQueen se sentiu no Mustang GT Fastback original. Mas, na década de 1960 os tempos e os costumes eram outros…

Estas e outras informações sobre a versão Bullitt e restantes versões da atual geração do Mustang estão disponíveis no site oficial da Ford e também na seguinte brochura digital – https://indd.adobe.com/view/837f0026-a97a-4231-a34b-15073d14a791, cuja visualização recomendo.

Confesso que, até ao momento em que escrevo estas linhas, ainda não vi o filme original Bullitt na íntegra. Mas só de se visualizar a célebre cena de perseguição no YouTube percebe-se que o carisma do velhinho Mustang – incluíndo o célebre barulho do motor V8 – foi bem transportado para a atual versão de homenagem, apesar do vasto ramalhete de tecnologias que equipa a atual geração que reflete um pouco a atual filosofia de construção de automóveis e dos inerentes padrões de segurança. Mas, acima de tudo, os valores fundamentais que ajudaram a saga Mustang a popularizar-se nos dois lados do Atlântico continuam bem vincados, podendo-se de um modo consensual considerar-se que esta geração Mustang é a mais eficaz de todas, sem que o poder de fogo e o inconfundível carácter do “cavalo galopante” fossem esquecidos em algum momento. A presente geração do Mustang é a primeira que é oficialmente vendida nos concessionários dos dois lados do Atlântico. Desconheço, contudo, se algum exemplar Bullitt se encontra atualmente a circular em Portugal.

Para os que nunca viram o filme Bullitt de 1968, o Mustang Fastback Bullitt pode ser excelente mote para assistir ao filme e alimentar o sonho de conduzir o mito…