Alpine A110 – o regresso do “Lobo dos Alpes”, com nova vitalidade

A origem e a construção do mito

A Alpine nasceu de uma inspiração de um visionário francês chamado Jean Rédélé, nascido em 1922, em plena era de afirmação do automobilismo francês. Primeiro filho de um antigo mecânico da equipa oficial da Renault para provas de “Grand Prix” que, já depois da Primeira Guerra Mundial, abriu um concessionário da marca em Dieppe, terra natal da família localizada no norte de França, Jean Rédélé concluiu os estudos académicos em Economia e Gestão de Empresas em Paris, já em pleno final da Segunda Guerra Mundial. As suas ideias inovadoras em matéria de produção de veículos automóveis, aquando do seu estágio na Renault, cativaram o CEO de então da Renault, Pierre Dreyfus, que lhe convidou logo para se tornar o novo concessionário oficial da Renault em Dieppe, seguindo os passos de seu pai, aos 24 anos de idade.

Jean Rédélé, aqui nesta foto debruçado sobre a porta do lado do condutor, juntamente com outros responsáveis da Renault.
Renault Spéciale Rédélé no Rali de Dieppe de 1953.

As suas participações desportivas em provas de rali, com carros Renault modificados, foram marcadas por vitórias na sua terra natal, mas também na Copa de Lisboa, nas Mille Miglia e no Critério dos Alpes. Foi nesta última prova, ao volante do seu Renault Spéciale Rédélé, que Jean ficou fascinado pelas estradas alpinas, de tal modo que resolveu chamar aos seus automóveis de “alpines”. Foi mais longe e, com o apadrinhamento e apoio da Renault, concebe um pequeno coupé desportivo com a base mecânica do Renault 4CV com o qual funda, a 25 de junho de 1955, a “Société des Automobiles Alpine”, assentando arraiais em Dieppe e em Paris. O modelo apresentado é o Alpine A106. Deste modo, começa a história da marca Alpine, que se viria a notabilizar, de facto, por construir modelos desportivos em estilo coupé, genuinamente franceses e de tração traseira.

Apresentação de três exemplares do modelo A106, de cores azul, branca e vermelha, as cores da bandeira francesa.

Ao modelo A106, seguiram-se os modelos A108, A110, A310, GTA e A610. Contudo, foi o modelo A110 (fabricado entre 1961 e 1977) que imortalizou a lenda do “Lobo dos Alpes”, seja pela sua forma característica de berlinette e do barulho do seu motor de 4 cilindros em linha, pelo baixo peso (620 kg) conferido pela estrutura do tipo “beams and backbone”, inspirada na do Lotus Elan inventada pelo fundador da Lotus, Colin Chapman, e ainda pela sua maneabilidade, o que contribuiu decisivamente para grandes exibições nos ralis mundiais da década de 1970 – sobretudo no dificílimo e nevoso Rali de Monte Carlo – que culminaram na conquista do Campeonato Mundial de Ralis de 1973, fazendo da associação Alpine-Renault (estrutura desportiva financiada pela Renault, iniciada em 1967) o primeiro construtor campeão da história dos mundiais de ralis. Todos os modelos Alpine utilizaram bases mecânicas e peças oriundas de modelos Renault da época em que foram fabricados, apresentando sempre um design marcante cheio de desportividade, o peso mais baixo possível de acordo com os materiais da época e um sistema de tração traseira.

Uma versão do clássico Alpine A110, construído entre 1961 e 1977. Fonte: Petrolicious.
Alpine A610.

No ano de 1974, em consequência da crise do petróleo verificada no ano anterior que deixou a Alpine em risco de desaparecer, a Renault adquire em pleno a firma de Dieppe, a par da Gordini, fundindo as duas companhias para formar a sua nova divisão desportiva, a Renault Sport. Os modelos da era pós-1974, à exceção do A610, foram designados de Renault-Alpine.

Em 1995, na sequência do fracasso comercial do coupé moderno A610, e face a enormes exigências financeiras para desenvolver o seu sucessor, a Renault decidiu terminar com todas as atividades associadas à marca Alpine, obrigando-a a um longo período de hibernação. Terminou assim a primeira era de uma firma de sportscars franceses, cujos genes Renault foram sempre indispensáveis para o sucesso comercial e desportivo da marca. O fundador Jean Rédélé, que já tinha deixado de chefiar os destinos da empresa em 1978, morreu em Agosto de 2007 com 85 anos. Ironicamente, ou talvez não, este foi o primeiro sinal para o início de uma segunda era, com o toque natural de revivalismo, bem certeiro…

Logótipo da Alpine.

 

O regresso da lenda

Em outubro de 2007, foram revelados planos para a produção de vários modelos desportivos de raiz, de linhagem Renault; contudo o primeiro modelo surgiria em 2010 e seria produzido juntamente com as versões desportivas dos modelos da casa-mãe, em Dieppe. Não se chamariam Renault, nem seria criada uma nova marca, mas chamar-se-ia… Isso mesmo, Alpine! Enquanto isso, surgiam vários clubes de entusiastas da marca em França, mas também em muitos outros países.

Protótipo Renault Alpine A110-50.

De facto, em fevereiro de 2009, a Renault confirmou os planos para a ressurreição da marca de Dieppe, mas a crise financeira global e consequente recessão fez abortar os planos. Foi mais tarde, em maio de 2012, que a Renault apresentou um protótipo que prenunciou o regresso da marca Alpine à ribalta, o Renault Alpine A110-50, mostrando ao mesmo tempo as linhas futuras de design dos modelos Renault que iriam surgir a partir daquele ponto. O português Carlos Tavares, na altura vice-presidente do Grupo Renault e antigo piloto de automobilismo, deu algumas voltas ao traçado citadino do Circuito do Mónaco com um exemplar daquele protótipo, fazendo questão de reforçar a ideia de uma reativação séria da marca Alpine num futuro não muito distante. Meses depois, a Renault firma uma joint venture com a inglesa Caterham Cars, constituindo a Société des Automobiles Alpine Caterham (sigla SAAC) no sentido de desenvolverem em conjunto um modelo desportivo de raiz que seria vendido como Alpine e também como Caterham, que estaria disponível em 2016. Inesperadamente (ou talvez não), a Caterham decidiu romper a parceria com a Renault, o que fez tremer a continuidade do projeto. Num arregaçar de mangas, a Renault (sempre a divisão Renault Sport) prosseguiu com o projeto sozinha, renomeando a sociedade como Société des Automobiles Alpine (designação original da primeira era da Alpine) a 10 de junho de 2014.

Alpine Celebration (frente).
Alpine Celebration (traseira).
Alpine Vision Gran Turismo.

Durante o ano de 2015, foram apresentados dois protótipos de linhas modernas: o Alpine Celebration, revelado aquando das 24 Horas de Le Mans de 2015, e que serviu de base para aquele que iria ser, mais tarde, a reencarnação do mítico A110; e o Alpine Vision Gran Turismo, de cockpit aberto, que fez lembrar a participação da Alpine nas 24 Horas de Le Mans e cujo desenho foi feito integralmente em computador de modo a estar presente no leque de opções da sexta edição famoso simulador de corridas da Playstation, Gran Turismo 6. Em Fevereiro de 2016, em Monte Carlo, o agora ex-CEO da aliança Renault-Nissan, Carlos Ghosn, revelou o Alpine Vision, uma evolução ligeira do protótipo “Celebration” apresentada na cor branca, simbolizando a cor branca da neve que cai naquela região montanhosa durante o inverno, quando todos os anos se realiza ai o famoso rali, servindo de mote ao anúncio do relançamento oficial da Alpine que iria acontecer em 2017. Na seguinte publicação na página do blogue “tumblr.” do Grupo Renault, as fotos mostram claramente uma versão quase definitiva do futuro A110, claramente inspirado no modelo clássico que tanto furor ainda faz nos tempos de hoje. As primeiras imagens da versão definitiva do novo modelo surgem, finalmente, no último dia de Fevereiro de 2017, antes da sua aparição oficial no 87.º Salão de Genebra que aconteceu no mês a seguir.

 

O novo Alpine A110 – a Première Édition

O novo Alpine A110 encontra-se a ser produzido em Dieppe, tal como todos os anteriores modelos da marca francesa. Numa primeira fase, denominada “Première Édition”, foram produzidos 1955 exemplares (número alusivo ao ano da fundação da Alpine) que começaram a ser entregues desde o final do ano de 2017 exclusivamente no mercado europeu, apenas por encomenda e mediante o pagamento de um sinal de 2000 euros. A partir de 2018 a comercialização estendeu-se a outros países fora da Europa. Tudo isto após uma venda recorde da totalidade desta edição em apenas cinco dias!

O novo Alpine A110 Première Édition(frente/lateral).
O novo Alpine A110 Première Édition(traseira).
O novo Alpine A110 Première Édition(vista lateral/traseira).
Estrutura da carroçaria e do sub-chassis em alumínio.

Entre as características mais marcantes do novo A110, em grande parte herdadas da versão clássica com o natural toque de modernismo, destacam-se: a sua nova forma “berlinette”; a localização central traseira do motor e consequente transmissão da potência ao eixo traseiro; o design sedutor de linhas arredondadas em toda a sua extensão, que se estende aos quatro faróis independentes de tecnologia DRL alinhados na base da nervura central do capot e aos farolins que emitem um feixe LED em X, onde estão integradas as luzes de mudança de direção; a agilidade e a performance, atributos adjacentes ao baixo peso de todo o conjunto – apenas 1080 kg sem opcionais –  graças ao contributo da carroçaria e da plataforma construídos num material rico em 96% de alumínio que, ao serem rebitados, colados e soldados, compõem uma estrutura rígida e leve. Tudo isto confere um equilíbrio de massas notável: 44% de peso na frente e 56% de peso atrás, com o depósito de gasolina instalado atrás do eixo dianteiro.

O interior do novo Alpine A110 Première Édition.
O volante desportivo, com o símbolo da Alpine bem no centro…
Banco desportivo do A110 Première Édition.

O interior revela o cuidado no detalhe, conferindo ao bólide desportivo francês o carácter atlético, com pormenores metálicos de essência desportiva que conjugam com o revestimento dos dois bancos desportivos, consola central, tablier e volante em couro, cozido em linha de cor azul a condizer com a carroçaria do carro. Pelo facto do centro de gravidade não ser demasiado baixo, a acessibilidade ao cockpit fica facilitada para qualquer pessoa que queira viajar com um nível francamente aceitável de conforto. O centro do volante denuncia a sua origem: trata-se de um Alpine verdadeiro!

O motor turbocomprimido de 4 cilindros em linha e 1.8 litros.
Fundo plano integral do novo Alpine A110, onde está integrado o difusor traseiro.

As performances não deixam dúvidas acerca do potencial para suscitar inúmeras paixões e ser uma excelente base para uma boa carreira desportiva nas pistas e nos ralis do novo A110. Com um motor turbocomprimido de injeção direta, de 4 cilindros e 1.8 litros (TCe) desenvolvido pela Renault Sport em parceria com os engenheiros da Alpine, o qual é acoplado a uma caixa de velocidades DCT Getrag com embraiagem húmida de 7 relações que é comandada através das patilhas localizadas atrás do volante, o símbolo do renascimento da Alpine debita uns impressionantes de 252 cavalos que lhe permitem atingir uma velocidade máxima de 250 km/h e uma aceleração dos 0 aos 100 km/h de 4.5 segundos. Tendo em conta que modelos atuais de outras marcas precisam de motores de cilindradas e potências superiores, a eficácia desta “berlinette” francesa é tremenda, até pela baixa relação de peso/potência que cifra-se em 4.3 kg/cv. Para estes valores contribui também a construção de um fundo plano integral, onde se encaixa o difusor traseiro que faz dispensar completamente o uso de airelons ou spoilers, pois tem a função de gerar uma zona de baixa pressão que faz baixar o carro a altas velocidades, tornando a sua aerodinâmica natural. Os travões são fabricados pela Brembo e as belíssimas jantes de 18 polegadas pela Otto Fuchs. Já os esbeltos bancos desportivos de baixo peso  – cada um deles pesa apenas 13.1 kg – são construídos pela Sabelt, e caracterizam-se pelo seu carácter desportivo que não desprimora o conforto do condutor e do pendura.

O “centro tecnológico” do novo Alpine A110.

A não inclusão da opção de uma caixa de velocidades manual terá facilitado a adoção de um software que disponibiliza três modos de condução – Normal, Sport e Track – que ajustam os parâmetros de performance do motor e da caixa de velocidades, do ESP, da direção e da sonoridade do escape, numa cartografia desenvolvida especificamente para este modelo que em nada se deve a outros modelos da Renault Sport construídos no mesmo espaço. O aspeto visual do ecrã TFT de 10 polegadas também se altera consoante o modo de condução selecionado, ao passo que, em vez do mostrador analógico da velocidade e do conta-rotações, existe um ecrã digital multifacetado que ajuda a uma melhor interpretação dos mais diversos parâmetros. Existem carros com mais dose de tecnologia, mas este novo A110 deixa o condutor explorar todos os limites do carro ao invés dos demais, e nesse sentido a caixa sequencial de 7 velocidades é um ótimo auxiliador…

 

As novas versões Pure e Légende

As duas versões, Pure (à esquerda) e Légende (à direita).

Terminada a produção da Première Édition em novembro de 2018, ficaram de imediato disponíveis duas novas versões para o ano de 2019, que seriam apresentadas ainda no mês de março de 2018. São elas a Pure e a Légende, e ambas partilham com a Première Édition todas as características basilares que fazem do renascentista A110 um desportivo de eleição com forte inspiração no passado, distinguindo-se em detalhes que refletem duas filosofias diferentes. Para ambas as versões, estão disponíveis seis variantes de cores diferentes: Blanc Glacier, Bleu Alpine, Blanc Irisé, Noir Profond, Bleu Abysse e Gris Tonnerre. A variante Blanc Glacier é a variante de cor padrão, ao passo que as restantes são opcionais. Ambas as versões disponibilizam o ar condicionado, o sistema de navegação por satélite, o sistema de conectividade Alpine mySPIN que permite espelhar o smartphone do condutor e ainda a iluminação dianteira e traseira com LED, tudo isto já presente na versão Première Édition.

Segundo as palavras de Michael van der Sande, Diretor Geral de Design da Alpine e da Renault, «A versão Pure tem todos os princípios fundamentais da Alpine: agilidade, vivacidade e prazer de condução. A Légende é uma versão que nos desafia para novos horizontes. Com características técnicas idênticas às do A110 Pure e com bancos Confort e a um nível de equipamento superior, destina-se sem dúvida aos automobilistas que pretendem utilizá-lo no seu quotidiano ou em longas viagens.».

Interior da versão Pure.

A versão Pure inspira-se na versão do clássico A110 que venceu o Rali de Monte Carlo de 1973, apresentando por isso um ambiente mais próximo da competição automóvel. Como elementos distintivos tem o mesmo padrão interior da Première Édition, ou seja: estofos em misto de couro e microfibra, combinado com o revestimento em fibra de carbono mate; a jante padrão de 17” e os bancos Sabelt sem regulação de apenas 13.1 kg. Como opção, pode levar travões Brembo mais potentes, um escape desportivo ativo, jantes de 18” de dois desenhos diferentes (o mesmo tipo de opção para a versão Légende) e ainda os leves bancos Confort de estrutura em preto, com seis vias de regulação de inclinação e grande poder de retenção.

Interior da versão Légende.
Jante exclusiva da versão Légende.

A versão Légende inspira-se na versão Berlinette 1600S do clássico A110, apresentando por isso uma jante exclusiva de 18” com o desenho da jante semelhante ao daquela versão. Pretende acima de tudo tornar a experiência de condução mais confortável, estilo Grande Turismo, e para isso adota como itens de série os bancos Confort já mencionados (que neste caso podem ser aquecidos como opção), estofos em couro preto ou castanho, sistema de som Focal e ainda revestimento em carbono acetinado. Esta versão pode levar ainda um sistema de som mais completo da Focal, de qualidade premium, que permite ampliar o impacto dos dois altifalantes e dos dois tweeters com uma caixa de graves, e ainda um escape desportivo ativo.

Versão Pure (exterior).
Versão Légende (exterior).

Perspetiva-se para o mês de outubro uma versão mais potente do A110 que debitará 300 cv, a mesma potência do Renault Mégane RS Trophy, utilizando o mesmo bloco deste, que é ainda o mesmo que equipa o Mégane RS civilizado de 280 cv, hipótese que pode ser viabilizada como solução intermédia.

Não existem mais dúvidas quanto ao sucesso comercial que este novo modelo está trazer à Alpine e ao Grupo Renault, de tão elevado que é o número de encomendas que ultrapassa largamente a oferta. Até porque houve todo um cuidado extremo em decalcar-lhe pormenores além do design compacto, tais como o lettering da marca, a letra “A” na zona abaixo do pilar A, o desenho da bandeira francesa nos pilares C e na zona interior das portas, as entradas para a circulação do ar indispensável à refrigeração do motor, entre outros, que ajudam a realçar a sua beleza exterior e interior. Além do mais, o preço que ronda os 66 mil euros promete aliciar mais futuros compradores, quando comparado com preços mais elevados de outros modelos do mesmo segmento. Não só os velhos adeptos da marca, mas também a nova geração de entusiastas, irão apreciar um modelo que, muito mais do que evocar a memória de um velho ícone, desafiará alguns monstros do seu tamanho, tais como o Porsche 718 Cayman, à semelhança do que aconteceu no passado, quando o clássico A110 ousou fazer o mesmo com o clássico Porsche 911.

Não é por acaso que o renascentista A110 recebeu o prémio de “Automóvel mais belo de 2017”, após uma votação online do grande público, aquando do 33.º Festival Automóvel Internacional. O programa sobre automóveis Top Gear da BBC elegeu-o como “carro desportivo do ano de 2018”. O juri do COTY 2019 (Car Of The Year 2019) elegeu-o como um dos sete finalistas, na qualidade de carro desportivo. Se o Alpine A110 for eleito como o COTY 2019 (sujeito a atualização), aí sim, será uma grande surpresa, tendo em conta que concorreu com seis carros de segmentos mais familiares, igualmente belos: o Citroën C5 Aircross, o Ford Focus, o Jaguar I-Pace, o Kia Ceed, o Mercedes-Benz Classe A e o Peugeot 508.

Se o mundo podia viver sem a Alpine? Sim, podia, se Jean Rédélé não tivesse existido. E não seria tão belo. O “Lobo dos Alpes” felizmente regressou, com nova vitalidade. A espécie afinal não está extinta…