Parabéns Mazda! Para quando um novo Mazda RX?

No presente ano de 2020, a antiga Toyo Kogyo Corporation e atualmente Mazda Motor Corporation, firma japonesa nascida na cidade de Hiroshima sob a ampla visão de Jujiro Matsuda, celebra 100 anos de existência. Curiosamente, a empresa resultou de uma refundação (em 1927) a partir da Toyo Cork Kogyo Corporation, que dedicava-se exclusivamente à produção de derivados de cortiça, uma atividade que caiu numa profunda crise, motivando uma viragem para a mobilidade sobre rodas, primeiro com motociclos (1930), depois com os robustos e ágeis triciclos Mazda-Go (1931) de motorização Mitsubishi e, apenas quinze anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com o primeiro automóvel Mazda, o pequeno R360 Coupé. A Mazda foi mesmo o grande motor da reconstrução de Hiroshima após o triste episódio da queda da bomba atómica naquela cidade, matando milhares de habitantes. Sob determinadas premissas de tecnologia, design e bem-estar humano, muitos modelos se seguiram, entre os quais o Mazda 818 (um dos exemplares foi propriedade dos meus sogros, na variante station wagon) e o famoso (e divertidíssimo) roadster MX-5, cuja atual geração – a quarta – é unanimemente considerada a melhor de todas em todos os aspetos.

O marco mais decisivo para a popularidade da marca em todo o mundo foi o desenvolvimento da peculiar arquitetura do motor rotativo Wankel – uma invenção do alemão Felix Heinrich Wankel – e da sua aplicação em carros desportivos. O primeiro modelo da marca a levar esta tecnologia foi o esguio modelo desportivo Cosmos Sports. Pouco tempo depois, deu-se início a uma saga duradoira de modelos desportivos com motor Wankel, denominada RX, sejam eles derivados de modelos civilizados (como denominação secundária) ou modelos desenvolvidos de raiz (o primeiro desta espécie foi o RX-7, nascido em 1978), que terminou com o fabuloso modelo RX-8. Foi com esta tecnologia que a Mazda conseguiu vencer as 24 Horas de Le Mans de 1991 com o 787B. Apesar das vantagens do motor Wankel bem aproveitadas pela Mazda no que respeita ao nível de potência produzido relativamente aos motores tradicionais, os altos consumos de CO2 e os recorrentes problemas de fiabilidade que não ficaram definitivamente solucionados fizeram com que o motor Wankel não mais fosse produzido em massa desde a interrupção da saga RX ocorrida em 2012.

Mas, teimosamente, a Mazda continuou a desenvolver o conceito de motor rotativo, tendo experimentado anos antes um protótipo com um motor rotativo alimentado a hidrogénio. Entretanto, em 2015, a Ford Motor Company saiu definitivamente dos destinos da Mazda depois de uma parceria financeira que começou em 1974. Poucos anos antes, em 2011, a Mazda inicia um novo conceito de design chamado KODO – alma em movimento – pelo qual os novos modelos são esculpidos e modelados em barro e não desenhados numa folha em branco, procurando primeiro dar uma forma abstrata (mas lógica) ao movimento e, apenas com esta base, à forma final de um automóvel; a mesma filosofia estende à escolha dos materiais de revestimento e ao desenvolvimento da tinta aplicada na carroçaria.

Na presente vaga de modelos Mazda em comercialização (2.ª geração KODO), foi aplicada uma filosofia complementar no interior e na mecânica dos veículos que foi herdada do tempo dos samurais, chamada Jinba Ittai (cavaleiro e cavalo como um só); o objetivo foi colocar o condutor no centro da dinâmica do automóvel e fazer do automóvel uma extensão dos característicos movimentos do ser humano, tal como o cavalo corresponde harmoniosamente aos comandos do cavaleiro. É por isso que o volante, a coluna da direção, a caixa de velocidades, os travões e os pedais têm uma firmeza própria que corresponde na íntegra à naturalidade dos movimentos das mãos, braços, pernas e pés, do mesmo modo que o revestimento dos materiais que compõem o interior do veículo é de elevada qualidade e agradável ao toque, compatibilizando-se na perfeição com os membros humanos. Mas, no fundo, esta filosofia esteve sempre presente na Mazda desde o seu primeiro automóvel… assentando que nem uma luva na gama desportiva da marca nipónica.

Para além dos famosos motores Wankel, a Mazda nunca esqueceu de desenvolver os motores tradicionais a gasolina (mas também a gasóleo), mas também abrigou alguns motores Ford ao abrigo da joint venture entre as duas marcas que vigorou entre 1974 e 2015. Não é de admirar que diversos modelos Mazda (entre os quais o tal Mazda 818 que já referi) tivessem sido equipados com motores de quatro cilindros e tecnologia DOHC (abertura variável de válvulas) e ainda com adição de turbo em alguns casos (mesmo em motores Wankel), como ainda acontece com o atual Mazda6. Contudo, foi na segunda década do presente século que a Mazda aplicou uma nova tecnologia para motores a gasolina e a gasóleo, denominada SKYACTIV, que promove, por um lado, uma brilhante conjugação entre alta performance e baixos consumos e, por outro, uma otimização da precisão de funcionamento da transmissão e da caixa de velocidades de acordo com a rotação do motor.

Já em 2019, foi estreada uma nova variante de motores Skyactiv, a juntar às variantes Skyactiv-G (gasolina) e Skyactiv-D (gasóleo): os motores Skyactiv-X. A nova tecnologia, dotada de uma engenharia algo complexa, é assente num revolucionário motor atmosférico de quatro cilindros alimentado a gasolina que consegue executar os dois tipos de ignição, ou seja, ignição por faísca (gasolina) e ignição por compressão (gasóleo). A rotações mais baixas (até cerca de 5000 rpm), e por via do mecanismo SPCCI (Spark Controlled Compression Ignition), ou seja, de ignição por compressão controlada por faísca, o motor recebe uma quantidade menor de gasolina (a fim de evitar uma pré-ignição da mistura) para uma igual porção de ar, promovendo deste modo uma ignição por compressão em que a combustão é menos intensa, mas cuja queima de combustível é mais eficiente. Passando para rotações mais altas, o mecanismo SPCCI é desativado e o modo de combustão passa a ser tradicional e, sempre que as rotações regressam a um nível mais baixo, o sistema volta a ser ativado. Esta tecnologia, com vertente ecológica de raiz, é uma alternativa viável criada pela Mazda para concorrer com sistemas de desativação de cilindros presentes noutras marcas, conferindo níveis de binário algo superiores aos tradicionais motores a gasolina em rotações mais baixas. O primeiro modelo a receber esta tecnologia foi o atual familiar Mazda3 e, pouco tempo depois, o SUV crossover Mazda CX-30. No futuro, toda a gama acabará por receber esta tecnologia, mas tal depende do sucesso de vendas naqueles dois modelos.

De salientar ainda que, no que respeita à tecnologia SKYACTIV, a Mazda não caiu no erro do downzising da cilindrada de motores que a generalidade dos construtores cometeu, preferindo apostar em motores de atmosféricos a gasolina com o mesmo nível de cilindrada verificado nos anos 90 (exceção feita aos Skyactiv-G movidos a gasóleo que mantém o turbo), além de que existem já versões a gasolina com sistema mild hydrid para auxiliar os arranques nos modelos Mazda3 e Mazda CX-30. Claro está que, de modo a equiparar a performance dos motores a gasóleo aos motores atmosféricos a gasolina, a Mazda não pode prescindir do turbo, caso contrário teria de aumentar significativamente a cilindrada neste tipo de motor, e isso faria aumentar drasticamente os consumos.

Desde o “desaparecimento” do Mazda RX-8 que o pequeno roadster MX-5, que já existe há mais de 30 anos, é o único represente dos puramente desportivos da Mazda, fazendo a delícia de milhões de fãs (e proprietários) com a sua agilidade e propensão para a diversão nas curvas. Contudo, muitos fãs da Mazda já reclamam por um sucessor para os fabulosos RX-7 e RX-8, que apresente pelo menos um nível de potência semelhante ao que estes produziram (a última geração do RX-7 chegou a produzir 280 cv, já o RX-8 ficou-se pelos 241 cv) e resgatem o melhor da essência dos desportivos da marca (por agora esqueçam as quatro gerações do MX-5). Mas, nos tempos que correm e perante uma legislação cada vez mais apertada no que respeita aos limites de emissões de gases nocivos para o ambiente, faz sentido o regresso dos motores Wankel à ribalta? Bem… a Mazda começou a adaptar-se aos novos tempos com o SUV elétrico MX-30, mas ao mesmo tempo mantém as portas escancaradas para os motores de combustão, e é aí que entram os motores Wankel, cuja produção está confirmada num futuro próximo. O atual presidente da Mazda, Masamichi Kogai, manifestou a vontade de lançar um modelo desportivo com motor rotativo, tão rápido quanto possível. Mas, antes de mais, recuemos até ao Salão de Tóquio de 2015…

Foi no Salão de Tóquio de 2015 que a Mazda apresentou um concept car de dimensões generosas, com um design KODO incrivelmente fluído, deslumbrante e distintivo, e uma clara orientação de coupé de dois lugares com capô longo muito baixo e traseira curta, que busca inspiração em alguns desportivos coupé da marca (nomeadamente os anteriores RX). Chama-se Mazda RX-Vision Concept, e foi concebido pelo chefe de design Ikuo Maeda, cujo pai – Matasaburo Maeda – tinha desenhado o intemporal RX-7. No momento da apresentação pouca coisa foi deslumbrada, contudo sabe-se que terá motor em posição frontal e tração traseira. Certamente o seu motor será capaz de atingir as 8000 rpm e acoplado a uma caixa manual, a julgar pela existência de uma manete de caixa manual e pelo conta-rotações. Nas linhas cromadas fixadas nas laterais, logo atrás do eixo dianteiro, podia ver-se a inscrição “SKYACTIV-R”, o que elevou as esperanças do futuro modelo incorporar a tecnologia Wankel, pois os responsáveis da marca de Hiroshima já anteriormente tinham dado a entender que os futuros motores rotativos teriam esta nova designação. Pouco tempo depois, este concept viria a receber o prémio de “Carro Mais Bonito do Ano” no Festivale Automobile Internacional de Paris de 2016, passando a perna ao Bentley Exp10 Speed 6, ao Peugeot Fractal e ao Porsche Mission E. E isto graças a um estilo retro que traz remanescências de um nobre passado, bem impresso no exterior mas sobretudo no interior.

O início da comercialização do modelo final estava previsto para o ano de 2017, mas tal sofreu um revés, explicado pelas normas cada vez mais exigentes de redução de emissões poluentes, que motivaram uma mudança de rumo por parte dos nipónicos, que levou à introdução da tecnologia de motores atmosféricos Skyactiv-X e ao desenvolvimento da tecnologia 100% elétrica já patente no MX-30. Contudo a Mazda foi dando esperanças aos seus fãs… até hoje, apesar de ainda não ter sido revelado um modelo final pronto a ser fabricado em série, restando uma ténue esperança de chegar a tão aguardada notícia em pleno ano do centenário da firma de Hiroshima. Relativamente à produção de motores Wankel, essa está garantida, mas com outra finalidade, que é servir de extensor de autonomia para carros com motor elétrico (o atual SUV MX-30 poderá no futuro receber este motor). Existe ainda a possibilidade de serem produzidos em massa motores rotativos alimentados a hidrogénio, com a clara vantagem de as emissões serem traduzidas apenas em vapor de água. E se o futuro RX acolher este motor? A Mazda garantiu a 100% que o futuro RX teria sempre um motor rotativo, e nisso podemos sempre confiar. Mas pode ser que o futuro RX acolha ainda um motor de combustão convencional de maior cilindrada, com uma inédita arquitetura em V (por exemplo V6) ou de “seis cilindros em linha”, e ainda tecnologia Skyactiv-X. Porque não?

Enquanto aguardamos por um novo “messias”, a Mazda proporciona aos seus fãs uma preciosidade… digital!

A Mazda estabeleceu, no início de 2020, uma parceria com a Poliphony Digital (subsidiária da Sony, que produz a consola de jogos PS4), criadora dos jogos de simulador de corridas de automóveis da saga “Gran Turismo” e criou a sua versão virtual do RX-Vision Concept para o jogo “GT Sport”, chamada Mazda RX-Vision GT3 Concept, para que os jogadores do jogo possam disfrutar da experiência de “pilotar” um ícone com roupagem motorsport. Basicamente, foram acrescentados apêndices aerodinâmicos que colocaram o carro dentro da categoria GT3 (a mais popular categoria de Gran Turismo do mundo em matéria de competição automóvel), ao mesmo tempo que foi adicionado um motor rotativo virtual, fazendo os fãs imaginar como seria o sucessor RX. O carro virtual está inserido na categoria Grupo 3 do simulador GT Sport, possuindo ainda um interior virtual especialmente concebido para corridas, à imagem das competições oficiais com chancela FIA. Será isto um bom prenúncio para uma nova era desportiva da Mazda em corridas reais? Atualmente a Mazda, através da divisão desportiva Mazdaspeed em parceria com o Team Joest, atua no campeonato IMSA de resistência nos EUA. E pode regressar em Le Mans, à luz dos novos regulamentos que serão estreados em 2022 no FIA World Endurance Championship….

A Mazda celebra 100 anos de existência, e o blogue SPUNIQCARS felicita a Mazda, os japoneses de Hiroshima e os fãs da marca por tamanha vitória global alcançada. Também por isso, e em jeito de celebração, para a Segunda Temporada da série “SPUNIQCARS em modo GT SPORT” irei alinhar em nome do blogue SPUNIQCARS com o Mazda RX-Vision GT3 Concept na 2.ª fase da Manufacturer Series de 2020 do FIA GT do simulador GT SPORT da consola PS4.

A Mazda, por sua vez, irá comercializar no presente ano de 2020 uma edição comemorativa do seu centenário em todos os seus modelos, com uma cor exclusiva em tom de branco e decalques do logótipo especial do centenário no centro das jantes e nos encostos de cabeça dos bancos.

Bem sabemos que a Mazda ainda nos vai surpreender no futuro. E que nos deu um “filho muito amado” chamado MX-5. Contudo, ainda aguardamos o “Regresso do Rei”. Para concorrer com o Toyota GR Supra, mas também com o Honda NSX, o Porsche 911… Para quando um novo Mazda RX?